Poucos temas são tão centrais à vida cristã quanto a maneira como o Espírito Santo atua no crente. Expressões como “andar no Espírito”, “viver no Espírito” e “ser cheio do Espírito” aparecem regularmente no Novo Testamento, mas muitas vezes são mal compreendidas. Afinal, o que significa ser cheio do Espírito? Por que alguns crentes parecem viver mais próximos de Deus do que outros?
E por que a Bíblia fala sobre crentes “carnais”?
O Espírito Santo na conversão: Vida Nova no “Homem Interior”
A Bíblia ensina claramente que todo crente recebe o Espírito Santo no momento da conversão:
- Efésios 1:13 – “selados com o Espírito Santo da promessa”
- Romanos 8:9 – “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”
- Tito 3:5–6 – “renovação do Espírito Santo”
Ao nascer de novo, o Espírito Santo vivifica o interior do crente, aquilo que Paulo chama de “homem interior” (Ef 3:16) ou simplesmente “espírito” (Rm 8:10, 1Co 6:17). Este é o núcleo regenerado do ser humano.
No entanto, embora haja regeneração real, a Bíblia deixa claro que:
- a mente não é instantaneamente transformada (Rm 12:2)
- há hábitos, inclinações e afeições que precisam de renovação contínua (Ef 4:23)
- a carne (natureza pecaminosa) continua presente com seus impulsos (Gl 5:17)
Assim, torna-se necessário compreender o relacionamento entre espírito, alma (mente, emoções e vontade) e carne.
Espírito, alma e carne
A Bíblia usa os termos espírito (pneuma) e alma (psychê) de formas variadas:
- Às vezes, distinguindo os dois (1Ts 5:23; Hb 4:12; Rm 8:16)
- Às vezes, como paralelos poéticos (Lc 1:46–47)
- Às vezes, sinonimamente para expressar a interioridade humana (Jo 12:27; Jo 13:21)
Portanto, a distinção entre “espírito” e “alma” não é anatômica ou fixa, mas funcional:
- Espírito (pneuma) → o núcleo interior regenerado; onde o Espírito Santo reside em nós.
- Alma (psychê) → mente, afetos e vontade; que precisam ser renovados ao longo da vida.
- Carne (sarx) → a natureza caída que permanece ativa até a glorificação.
O Espírito Santo se une ao espírito recriado do crente (Rm 8:16; 1Co 6:17) e, a partir daí, influencia progressivamente a mente, levando à transformação da vida prática.
O sentido linguístico de “ser cheio do Espírito”
O Novo Testamento usa dois verbos gregos diferentes para a ideia de “encher”:
1. Πληρόω (plēróō) = enchimento contínuo
Usado em Efésios 5:18 — “sede cheios do Espírito” — este verbo indica:
- processo contínuo
- estado habitual
- influência, domínio, direção constante
Não significa “conter mais Espírito”, mas ser continuamente guiado por Ele.
2. Πίμπλημι (pimplēmi) = enchimento momentâneo
Usado em Atos (2:4; 4:8; 4:31; 9:17; 13:9):
- indica ações pontuais, súbitas, episódicas
- normalmente para capacitação imediata (testemunho, coragem, profecia)
Essa distinção linguística sutil pode nos ajudar a compreender o ensino bíblico de forma mais precisa.
O fruto do Espírito como resultado de ser governado por Ele
Gálatas 5 apresenta os seguintes princípios fundamentais:
- A carne luta contra o Espírito.
- O crente pode viver segundo a carne ou segundo o Espírito.
- Quem produz o fruto é o Espírito, não o crente.
Nesta passagem, Paulo faz uma conexão direta entre “andar no Espírito” (Gl 5:16) e o “fruto do Espírito” (Gl 5:22–23). Isto significa que o fruto (resultado) surge quando o crente se deixa conduzir, governar e influenciar pelo Espírito Santo. Não é esforço humano, mas resposta voluntária ao governo do Espírito.
Cristãos carnais?
A doutrina apostólica afirma claramente que um crente pode possuir o Espírito, ser regenerado e ainda assim viver de forma carnal, imatura e desobediente. Paulo afirma isso de forma direta em 1 Coríntios 3:1–3: “Ainda sois carnais… andando segundo os seres humanos.”
Esse “cristão carnal” não perdeu a salvação, não deixou de ser nascido de novo, mas não se submete à influência do Espírito, vivendo conforme seus impulsos naturais. Por consequência, permanece infantil em Cristo, imaturo espiritualmente.
Isso se alinha com o que se lê em Romanos 7–8 e Gálatas 5: um crente pode optar por se inclinar à carne em vez de ao Espírito.
Como tornar-se cheio do Espírito Santo
Por tudo o que vimos até aqui, ser cheio do Espírito de Deus passa pelos seguintes passos:
1. Submissão da nossa vontade
Devemos, diariamente, ceder nossa vontade Deus (Cl 3:1–3). É o que Jesus chamou de “negar a si próprio” (Lc 9:23).
2. Vida de oração e dependência constante
O objetivo não é buscar uma experiência pontual ou “sentir algo”, mas buscar, de forma constante, direção, sabedoria e força (Ef 6:18), especialmente contra o pecado e as tentações.
3. Renovação contínua da mente
Nossa mentalidade (modo de pensar) se renova, em especial, por meio da leitura e meditação da Palavra de Deus (Rm 12:2; Cl 3:16).
4) Sensibilidade ao Espírito
Se estivermos atentos e preparados, o Espírito fala conosco. Ao mesmo tempo, se evitado, ele pode ser entristecido e até se calar (Ef 4:30). Portanto, assim como o fogo do altar, o Espírito não deve ser apagado em nossas vidas (1Ts 5:19).
5) Obediência diária
O enchimento — ou mais propriamente o preenchimento — acontece na prática da vida, não em eventos místicos. Conforme dito acima, existem momentos especiais de enchimento (pimplēmi), onde o sobrenatural se manifesta. Porém, em termos de santificação e aperfeiçoamento, este preenchimento é gradativo e ininterrupto.
Portanto, ser cheio do Espírito, mais do que apenas experimentar um “momento mágico” e definitivo, significa permitir que Ele governe cada vez mais áreas da nossa vida, influenciando nossa mente, moldando nosso caráter e, consequentemente, produzindo frutos.
Conclusão
Em resumo, o crente:
- recebe o Espírito de Deus ao crer em Cristo
- passa por um novo nascimento interior
- passa a ter sua mente influenciada (mas não totalmente regenerada) pelo Espírito
- tem sua mentalidade transformada à medida que se submete ao Espírito
- lutará contra a carne até o fim da vida
- se resistir ao Espírito, tende a uma vida carnal
Ser “cheio do Espírito” não é uma experiência emocional, nem um evento isolado. É uma postura de vida: deixar-se conduzir pela vontade de Deus todos os dias, de modo que o Espírito governe a mente, a vontade, os hábitos e o caráter.
Assim, o Espírito que se une ao nosso espírito na regeneração age para transformar a psychê (mente, emoções e decisões) ao longo de toda a jornada cristã.
Que sejamos todos cheios do Espírito Santo!