O Jesus Bíblico

Há cerca de quatro mil anos atrás, o profeta israelita Isaías registrou:

“Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. (…) Porque um menino nos nasceu, um filho nos tem sido dado, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.” (Is 7.14; 9.6)

De acordo com a teologia hebréia, assim como está registrado nas páginas da Tanak (o Antigo Testamento), Deus Jeová enviaria um homem, conhecido como “o Ungido” (Messias), para trazer libertação e conhecimento ao seu povo escolhido. Este homem seria, não apenas um grande profeta e libertador de Israel e de todo o mundo, mas também representaria o próprio Deus na terra (Emanuel significa “Deus conosco”). A interpretação deste personagem por parte dos judeus, variou ao longo dos séculos. Até hoje eles esperam que este homem surja para destruir os inimigos de Israel, trazer paz ao mundo e elevar sua nação sobre todas as demais.

Jesus como o Messias

Entretanto, há cerca de dois mil anos atrás, surgiu na região da Galiléia – norte de Israel – um jovem de família humilde, filho de um carpinteiro, por nome Yeshua (Jesus). De acordo com as Escrituras do Novo Testamento, ele nasceu de uma virgem chamada Miryam (Maria), a qual não havia ainda tido um relacionamento sexual com seu esposo prometido, Yoseph (José). Jeová enviou a ela um anjo para lhe anunciar que a havia escolhido para trazer ao mundo o Messias. A Bíblia não entra neste detalhe, mas é bem provável que este fato tenha permanecido em oculto até quando Jesus se tornou adulto, haja vista que a pena por um suposto adultério seria a morte por apedrejamento.

Ainda segundo o Novo Testamento, Jesus cresceu como uma criança normal, tendo sido educado de acordo com a cultura e a fé de seu povo e tendo a educação que a posição social de sua família poderia lhe proporcionar – o que, naquele tempo, não significava muito. O único fato anormal é registrado quando Jesus tinha 12 anos de idade, último ano de inocência de uma criança, segundo o judaísmo: ele foi encontrado no Templo de Jerusalém discutindo teologia com os doutores da Lei mosaica, que se mostraram espantados pela capacidade intelectual e o conhecimento que o menino apresentava. Ao ser repreendido por seus pais, sua resposta foi: “Não sabiam que eu deveria estar na casa de meu pai, cuidando de seus assuntos?” (Lc 2.49). Com isso, fica evidente que o garoto já tinha consciência de quem era e, possivelmente de sua missão futura.

Primeiros anos

Nada sabemos nada sobre a vida de Jesus desde este tempo até chegar à idade adulta. Muito se especula sobre viagens pelo mundo, incluindo aí até visitas a mosteiros tibetanos! A única coisa que podemos é supor, tendo com base sua vida pregressa e posterior. Primeiro, como não se fala mais em seu pai, é de se supor que o mesmo tenha morrido, o que colocava Jesus no papel de líder da família. Aliás, os escritores dos Evangelhos nos informam que ele tinha alguns irmãos e irmãs, alguns deles bem conhecidos de todos, como Yaacov (Tiago), Yoseph (José) e Yehuda (Judas). Assim, o mais provável é que Jesus, como bom filho e bom israelita, não teria abandonado sua mãe e irmãos diante de suas responsabilidades de primogênito. Sobre a fonte de seu conhecimento, um fato que descartaria as supostas viagens de Jesus pelo mundo reside no fato de que ele demonstrava conhecer profundamente, não apenas a teologia da Lei, mas também o que se passava nos corações e pensamentos íntimos das pessoas (vd. Mt 9.4, Mc 2.8, Lc 9.47, Jo 2.25). É provável que Jesus não tenha nascido, como se costuma dizer, sabendo tudo. Ele precisou aprender com seus pais, ir à escola. Certamente o conhecimento bíblico que Jesus tinha vinha do ato de estudar as Escrituras, como todo judeu piedoso fazia desde a infância. Por outro lado, por ter uma origem divina e, mais importante que isso, por ter uma relação direta com Deus, seu Pai, ele tinha acesso a um nível de conhecimento que nenhuma outro ser humano jamais teve.

Jesus possuía um primo materno por nome Yohanan (João), filho do sacerdote Zekariah (Zacarias), o qual recebeu o Espírito profético e passou a batizar, no Rio Jordão, pessoas que atendiam ao seu chamado ao arrependimento. Alguns especulam que João seria um Essênio, seita judaica que habitava o deserto em mosteiros, mas a Bíblia nada informa sobre isso. Fato é que, ao completar 30 anos de idade (quando então era considerado adulto perante a sociedade), Jesus foi também batizado por João e passou a pregar a mesma mensagem desse. Na ocasião, o próprio batizador testemunhou que Jesus, e não ele, era o Messias esperado, cumprindo assim a profecia dada pelo profeta Isaías cerca de 700 anos antes:

“Voz do que clama no deserto, prepare o caminho do Senhor, torne direitos os caminhos ao nosso Deus” (Is 40.3)

Jesus então, passou a pregar as Boas Notícias (Evangelho) da salvação de Deus. Esta mensagem anunciava a todos os israelitas a chegada do Reino de Deus, e que Deus estava disposto a perdoar definitivamente os pecados da nação, através de arrependimento e comprometimento com uma nova vida. Deus desejava um novo nível de relacionamento com seu povo, mais íntimo, em que eles o pudessem chamar de “Pai”. Além disso, à semelhança de João, Jesus anunciava que em breve o Espírito Santo de Deus seria derramado irrestritamente sobre todos os que cressem. Analisando o ministério de Jesus à luz do Antigo Testamento, percebemos que, não apenas sua mensagem se assemelhava à dos profetas antigos, como também suas ações. É possível encontrar paralelos nas palavras e ações de Jesus (incluindo aí milagres) com vários profetas da Antiga Aliança, especialmente Elias, Eliseu e Isaías (*).

O ministério em Israel

No entanto, se Jesus lembrava os profetas quanto às suas palavras, suas atitudes eram próprias dele, e isso chocava os líderes religiosos. Ele era sociável, comia à mesa de pessoas consideradas pecadoras, tocava nos mortos (e os ressuscitava!), acolhia mulheres acusadas de adultério e agia, não como um mero portador de uma mensagem, mas como sendo a própria mensagem! Tais atitudes, associadas a uma dura crítica à liderança judaica, a quem Jesus acusava de hipocrisia e falta de misericórdia, levaram a um complô para o matar. Porém, antes que isso viesse a se concretizar, Jesus cumpriu seu ministério, viajando pela terra de Israel por um período de aproximadamente três ano e meio.

Antes, também, de deixar o mundo, o Senhor Jesus preparou um grupo de discípulos, a quem denominou apóstolos, para darem prosseguimento à sua obra e serem os líderes da comunidade de seus seguidores. Na Páscoa do ano 31, Jesus de Nazaré foi preso, sob traição de Judas, um de seus discípulos, em conluio com os líderes do Sinédrio judaico, e foi morto pelos romanos por meio de crucificação – a pior condenação que um malfeitor poderia receber naquele tempo. Após três dias na sepultura, Jesus apareceu aos seus discípulos, ressurreto (ele fez questão de frisar que não era um fantasma!) por um período de quarenta dias, até que finalmente subiu aos céus, à vista deles, prometendo retornar para estabelecer seu reinado sobre a terra.

Análises históricas e teológicas

Existem especulações a respeito da autenticidade da existência de Jesus de Nazaré. Alguns crêem que ele não passa de uma lenda criada por um grupo de judeus com objetivos que somente Deus poderia saber. De fato, além das Escrituras do Novo Testamento, pouco ou nada existe de relatos históricos sobre ele. Pelo menos três referências antigas citam a pessoa de Jesus, mas existem suspeitas de manipulação do texto original. De qualquer modo, provar a existência histórica de Jesus não faria muita diferença, visto que, os que necessitam de evidências não as buscam no intento de crer nele. Ou seja, para os crentes a experiência espiritual com Cristo é suficiente, enquanto que a prova de sua existência não provocará, nos descrentes, a crença de que ele é, de fato, o Filho de Deus. Precisamos admitir que o âmago da questão cristológica reside neste ponto: se cremos que ele é quem afirma ser.

Outra questão levantada pela ciência é a separação entre o “Jesus histórico” e o “Jesus bíblico”. Com isso querem frisar a necessidade de separar mito, de verdade e, em última análise, excluir todo o seu caráter divino e sobrenatural, deixando apenas o “Jesus humano”. Porém, à luz das Escrituras, seria impossível fazer isso, tanto quanto o seria separar o corpo da alma. Os apóstolos deixaram bem claro a nós que Jesus nascera de modo sobrenatural, sem pecado algum (Hb 4.15), que não apenas era cheio do Espírito de Deus (Is 61.1), mas que era a própria manifestação de Deus (Cl 1.15) e que ressuscitou dos mortos, sendo declarado Filho de Deus (Rm 1.4). Novamente observamos que o “x” da questão é crer ou não no que a Escritura afirma sobre Jesus.

O escritor cristão C. S. Lewis arrematou esta discussão de maneira magistral em seu livro “Cristianismo Puro e Simples”:

“Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.” (p. 23)