A fé cristã
O livro a que chamamos de “Bíblia” é, na verdade, uma coleção de escritos que, após um tempo, foram compilados em um só. O termo deriva-se de bíblion, palavra grega que significa simplesmente “livro”. Estima-se que o primeiro livro bíblico a ser escrito foi Jó, em meados do século XV ou XVI a.C, enquanto que o último, Apocalipse, em meados do ano 95 de nossa era. Portanto, a Bíblia como a conhecemos hoje, foi escrita dentro de um período de, aproximadamente, 16 séculos (1.600 anos)! Além disso, de acordo com as informações contidas no próprio Livro, cerca de 40 pessoas diferentes escreveram os 66 livros que compõem as Escrituras Sagradas.
Breve história
A Bíblia é dividida em duas partes. A primeira, chamada de Antigo Testamento pelos cristãos, foi escrita entre os anos 1600 a.C e 400 a.C exclusivamente por hebreus. O judaísmo chama este conjunto de livros “Tanak”, acrônimo para Torah (a Lei de Moisés), Neviim (Profetas) e Ketuvim (Escritos). A segunda parte é chamada de Novo Testamento, e foi escrita exclusivamente por judeus seguidores de Jesus. O judaísmo aceita apenas a Tanak, enquanto os cristãos consideram o Novo Testamento também como Escritura divina.
Acredita-se que a primeira compilação de livros bíblicos em um cânone (catalogação dos livros considerados inspirados por Deus) ocorreu entre os judeus do exílio, em meados do século 5 a.C. Historicamente, considera-se o ano 90 da era cristã como sendo a época oficial da fixação do cânone hebraico, quando ocorreu o Concílio de Jâmnia, conforme está descrito no livro da tradição rabínica, a Mishná. Posteriormente, os cristãos passaram a adotar este mesmo cânone.
O cânone do Novo Testamento deve ter sido estipulado logo no início do século 2. Um manuscrito desta época, conhecido como Cânon de Muratori, relaciona quase todos os atuais 27 livros e epístolas, exceto a epístola aos Hebreus, a de Tiago e as de Pedro. Sabe-se por intermédio da “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesaréia, que, por um bom tempo, houve dúvidas quanto ao caráter inspirado destes livros, além do livro do Apocalipse. Entretanto, pelos idos do ano 367, todos eles passaram a ser adotados pelas igrejas cristãs ao redor do mundo.
A priori, a Bíblia trata da história de Israel, povo que Deus criou e escolheu para si. Entretanto, especialmente com o complemento do Novo Testamento, percebe-se que ela, antes, trata da história da própria humanidade, pois deixa claro que o chamado de Abrão, patriarca da nação israelita, tinha como objetivo abençoar todas as famílias da terra (Gn 12.3). Pode-se, então, resumir o conteúdo da Bíblia nas seguintes sentenças: “Deus criou o homem e o mundo para o homem, mas este tornou-se rebelde e afastou-se da comunhão com o Criador. Deus então escolheu um homem justo, dele fez uma nação, da qual nasceu Jesus, o Messias, o Filho de Deus, que morreu como expiação pelos pecados e abriu a oportunidade para que o homem volte à comunhão com Ele. Um dia este mundo chegará a um fim e Deus julgará a cada um, retribuindo-os segundo suas obras”.
A questão da inspiração
Judeus e cristãos discordam em muitas coisas, mas no que se refere à inspiração das Escrituras, pensam igual. Acreditamos que cada um dos escritores da Bíblia foi inspirado por Deus para transmitir e preservar a sua Palavra ao homem. Por meio deste fenômeno divino, tais homens fizeram uso de suas próprias palavras, seus estilos próprios de escrever e sua cultura pessoal para escrever exatamente aquilo que Deus desejou. Com isso, cremos que tudo o que está escrito tem um propósito pré-determinado e não contém erros. É a isto o que se chama “infalibilidade” ou “inerrância” bíblica. Em última análise, cremos que o próprio Deus, através de seu Espírito Santo, escreveu a Bíblia, tornando-o “O Livro de Deus”. Pedro, o apóstolo, alude a isso quando escreve: “Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
A consequência natural desta fé é que, tanto judeus quanto cristãos, têm na Bíblia a sua referência moral e espiritual. A Bíblia não é um mero livro religioso, mas sim um livro de cosmovisão. Ela disserta sobre praticamente todos os assuntos da vida, direta ou indiretamente. Desde conduta moral, passando pelo convívio social, direitos e deveres para com o próximo e a sociedade; o caminho para se ter comunhão com Deus, o que lhe agrada e não agrada; poesias românticas, conselhos de sabedoria, dados históricos; até profecias para o futuro. Ela ensina sobre religião, mas também sobre política, economia, sociedade, ecologia e o que mais se possa pensar. Se não há resposta direta a uma questão, certamente há indiretamente.
Além de tudo isso, a Bíblia é um livro histórico. Arqueólogos e historiadores fazem uso extensivo do texto bíblico para realizar suas pesquisas. Apesar de muitas críticas e descrença por parte destes mesmos cientistas, ao longo de mais de um século, todas as referências históricas, arqueológicas e geográficas da Bíblia têm sido confirmadas. Por sinal, a Ciência vive uma relação constante de amor e ódio pela Bíblia, pois muito a critica, mas sempre precisa voltar atrás e curvar-se à precisão de suas informações.
O cânone
Qual foi o critério usado para declarar se um livro ou carta merecia estar no cânone da Bíblia? Esta é uma pergunta válida que merece uma resposta. Tanto o judaísmo antigo quanto o cristianismo primitivo dispunham da escrita para a divulgação de suas doutrinas. Os textos eram escritos em tábuas de pedra, papiros ou pergaminhos e a mensagem preservada. Mas quem poderia confirmá-las, no futuro, como autênticas? Entra aqui a tradição oral, e é justamente ela um dos meios para autenticar os livros considerados inspirados. Eusébio afirma no livro supracitado que, para que as igrejas do primeiro século aceitassem um livro ou carta supostamente escrita por um apóstolo, era necessário que outras igrejas atestassem a veracidade das informações. Assim, quando Paulo escreveu sua carta aos Romanos, os coríntios não a conheciam. Porém, posteriormente, uma cópia dela chegou a Corinto e, quando eles procuraram saber se realmente Paulo havia escrito aquilo, os romanos atestaram o conteúdo da carta. Desta maneira, criou-se uma tradição escriturística que foi passada de geração a geração, até que formou-se o cânone “oficial” por decreto de um concílio eclesiástico. Vendo por este ângulo, percebe-se que as cartas aos Hebreus, a de Tiago e as de Pedro não eram amplamente aceitas pelas igrejas do 2º século simplesmente porque não foram enderaçadas a nenhuma igreja em particular.
Outro ponto considerado para a escolha dos livros reside na essência de sua mensagem. A partir da tradição escriturística citada anteriormente, havia a certeza (ou não) do conteúdo doutrinário dos escritos bíblicos. Assim, se a doutrina contida numa carta comprovadamente escrita pelo apóstolo João divergisse de outra supostamente escrita pelo mesmo apóstolo, ela seria rejeitada. Deste modo, separou-se, gradativamente, os escritos considerados apostólicos daqueles que eram considerados falsos ou sem valor doutrinário. Isso explica o porquê de muitos “evangelhos” não terem sido acrescentados ao cânone, pois continham traços de gnosticismo, uma seita esotérica que passou a invadir os meios cristãos no fim do primeiro século. Portanto, a afirmação mais correta é a de que os concílios ratificaram a tradição escriturística, ao invés de decidir, de modo arbitrário, que livros deveriam ou não estar na Bíblia.
A Bíblia é um livro divino escrito por seres humanos. É um livro histórico, mas também um livro místico. Ela descreve fatos que realmente aconteceram, mas que descrevem a ocorrência do sobrenatural. Por isso, do ponto de vista acadêmico, é um livro incoerente, ilógico, mas do ponto de vista da fé, contém as verdades e as instruções para uma vida plena e em consonância com a vontade de Deus. Nenhum outro livro é como a Bíblia.